2 de maio de 2015

a tangerina é um pôr do sol 
que nos cabe na mão

quando se descasca
vêem-se os raios
suculentos
alguns esguicham
deixam riscos de luz no céu

quando se tira o primeiro gomo
o sol desce um pouco no horizonte
e vai descendo
gomo a gomo

até entrar na boca
se pôr 
entre os lábios
à espera que amanhã

outra tangerina seja colhida 
e pousada no horizonte 

25 de abril de 2011

a minha mão é água
que se dilui

minha memória é brasa
consome lentamente
reverbera nas cinzas

se a mão alcançasse a brasa
amarrava as cinzas a cada gota
numa corrente

onde me deito

12 de dezembro de 2010

trazia o regaço vestido
em côdeas

carregava piamente
o alimento nosso
de cada dia

são rosas, senhor!

tropeçou no pano
caiu ímpia

no chão

espalharam-se rosas
mornas do regaço
despojadas de pão

7 de novembro de 2010

nem sempre tem de ser poesia. pode ser simplesmente as pernas arregaçadas, os pés molhados na areia. as ondas rasas em direcção aos pés, o olhar raso em direcção ao mar. as mangas prolongadas a aquecer as mãos, as mãos agarradas ao prolongamento das costuras. o céu frio, a luz baça. o corpo de pé imóvel a água parada no tempo.

neste momento não há poesia. só há uma inundação de palavras que não encontram dono nem destino, não têm fuga nem caminho. existem apenas e querem cessar. querem seme-ar semterra. querem vo-ar de cabeça e aterr-ar sem pés.

deixo-as. levo-as comigo e abandono-as ali. arregaço os braços e as pernas, raso o olhar, turvo o céu e digo-lhes que o mundo é delas. a-penas.

4 de outubro de 2010

os dias dourados
pedem-me versos
num canto solar
.
os dias de chuva
pedem-me sal
do ventre do mar
.
os dias das horas
pedem-me carne
e sangue e suor
.
de fogo na voz

22 de setembro de 2010

todos os dias
se escrevem tantas cartas dentro de mim
.
mas perdem-se os rascunhos
nas imensas palavras
que correm nas minhas veias
.
nunca chegam a semear-se
e caem
já frutos maduros
.
a largar aroma em suco doce
.
..................................................................que se entranha lentamente
..................................................................na minha pele

12 de setembro de 2010


deitei-me no chão e deixei os olhos abertos
colados às ervas

para veres finalmente o que eu vejo

cantei baixinho o teu nome
em todas as línguas do mundo
chamei-te em surdina
na língua da minha terra

esperei todo o dia por esta luz
mas só vieram as flores

que continuam a ouvir a canção do teu nome
da boca da terra